Naqueles últimos minutos, enquanto o monitor marcava o ritmo do compasso débil do seu coração, ele sorria. Do alto dos seus 90 anos sorria.
Um sorriso doce, sem mágoa e sem desdém. Apenas sorria.
Sorria dos seus primeiros passos, dados pelas mãos doces e protectoras da sua mãe. Deus! Há quanto tempo…
Sorria pelo calor do abraço do seu pai! Aqueles braços que pareciam que conseguiam abarcar o mundo inteiro. Que saudades dos braços do seu pai.
Sorria pelos primeiros anos de vida na escola, o primeiro beijo dado no recreio à socapa, roubado num instante de bravura e coragem. Sorria, ainda, pela primeira desilusão amorosa, pela bofetada dada logo a seguir ao beijo.
Suspirou quando lhe veio a lembrança os tempos de Universidade. Os primeiros amores de estudante e o ritmo fugaz com que se vivia e se libertava de paixões. Até ao dia em que encontrou AQUELA… A tal…
Fechou os olhos por um instante relembrando a entrega do seu diploma. O dia em quem podia salvar vidas.
Respirou mais fundo tentando encontrar os cheiros antigos, o antigo aroma da terra da aldeia para onde se mudara com a sua mulher.
Recordou o primeiro paciente que conseguiu salvar para logo a seguir lembrar-se do primeiro que lhe morrera nas mãos… Tantos outros passaram depois.
Evocou o nascimento do primeiro filho e os planos para aquele pequeno ser. Tantas esperanças e sonhos.
Lembrou o nascimento do segundo rebento… A menina dos seus olhos.
Sentiu novamente a alegria de os ver crescer e seguir os seus próprios passos.
Viu novamente os dias dos seus casamentos e a vinda ao mundo dos seus netos.
Sentiu a dor da partida da sua mulher, aquela que partilhou uma vida inteira consigo.
Abriu os olhos. Todos os rostos familiares olhavam para ele agora.
“Descanse doutor!” disse uma enfermeira ternamente afagando-lhe os cabelos brancos. “Estão todos aqui como pediu.”
Podia agora descansar. A sua Viagem tinha terminado. E fora uma longa viagem…
Viajando na Fábrica de Letras
6 comentários:
A vida é a nossa maior viagem!
A morte é inexorável! Ainda hoje choro, interiormente, a morte do meu pai a quem era muito ligada.
A sua morte foi uma morte trágica e inesperada.
Mas a vida continua, não é? Claro! Mesmo infelizes, continua claro.
A morte é absolutamente única. Só mesmo a vida, eu acredito, permite-nos ser sempre mais.
Parabéns!
Uma viagem super interessante. Gostei.
Sempre temos nosas formas de viajar. Carregamos nossas malas de belos e bons fluidos.
Uma longa e bela viagem. além de ser um pouquinho Longa não é mesmo. Nossas viagem de diversas maneiras. Também estou participando. Interação de amigos juntos nessa longa viagem.
http://sandrarandrade7.blogspot.com/
Um grande abraço,
sandra
O mundo tem suas diversas maneiras de viajarmos.
Vamos nessa..
Carinhosamente,
Sandra
Lindo :P
Que bele viagem esta, que termina num sorriso aos noventa anos tão ricamente vividos!
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